terça-feira, 7 de setembro de 2010

CINECARTAZ ípsilon

"Tudo pode ter começado há mais de uma década, quando Marta Pessoa ia muitas vezes para o Bairro Alto durante o dia e olhava para aqueles prédios. Ou pode ter começado um pouco mais tarde, quando a avó de Marta, que sempre gostara muito de passear, ficou doente e debilitada e deixou de poder sair de casa. "A minha avó já faleceu, mas podia ser uma destas mulheres", diz Marta, falando das mulheres (e um homem) que filmou em Lisboa Domiciliária.

Quando decidiu fazer o filme contactou as instituições que fazem apoio domiciliário a idosos. Acompanhou os técnicos nas visitas e com eles subiu as escadas estreitas e íngremes dos prédios sem elevador dos bairros antigos de Lisboa. "As pessoas abriram-me a porta e receberam-me. Fui entrando e filmando."

Primeiro conversou com os idosos que "gostavam muito de ter companhia e de poder conversar". E depois começou a filmar deixando a cada um o espaço que ele próprio ia conquistando - há uma senhora que veste os melhores vestidos, põe discos em vinil no gira-discos, mostra antigas fotografias ("todos mortos, meu Deus, meu Deus") e canta; uma que passa a ferro e se preocupa com os gatos; outra que espera na cama a visita do médico; outra que almoça na mesa da cozinha a comida que aqueceu no microondas.

"Comecei com a ideia de fazer um filme mais social e político, de revolta", explica Marta, um filme sobre pessoas presas nas suas casas porque não têm um elevador. "Quando olhava para elas, projectava-me no futuro." Mas com o tempo Lisboa Domiciliária foi-se tornando muito mais um filme sobre aquelas pessoas. E "embora tenha um lado triste, não é um filme triste". Não são histórias de quem desistiu de viver. Pelo contrário. São histórias de pessoas com força de viver - só que têm que o fazer entre quatro paredes."



Alexandra Prado Coelho (PÚBLICO)

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